sexta-feira, 16 de julho de 2010

6 Encontro de Música e Mídia tem a participação de Lúcia Santaella, na palestra de abertura

Lucia Santaela, mais recente vencedora do prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação 2010, na categoria “Maturidade Acadêmica”, pela Sociedade Brasileira de Estudos interdisciplinares da Comunicação – Intercom – proferirá a palestra de abertura do 6º Encontro.

Professora titular no programa de Pós Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, onde coordena o curso de Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, é também diretora do CIMID — Centro de Investigação em Mídias Digitais e Coordenadora do Centro de Estudos Peirceanos. Santaella é uma das principais pesquisadoras do campo da Semiótica no Brasil. Seu trabalho, reconhecido nacional e internacionalmente, estende-se às áreas da Comunicação, Semiótica Cognitiva e Computacional, Estéticas Tecnológicas e Filosofia e Metodologia da Ciência.

O resultado está registrado nos 31 livros publicados, dentro os quais cinco são em co-autoria e dois são estudos críticos, além da organização de outras 11 obras. Os títulos também evidenciam a sua contribuição para a construção e o fortalecimento dos estudos da Semiótica e Comunicação. Entre eles, é presidente honorária da Federação Latino-Americana de Semiótica e da Charles S. Peirce Society, USA; recebeu o prêmio Jabuti em 2002 e em 2009; e o Prêmio Sergio Motta, Liber, em Arte e Tecnologia, em 2005; foi pesquisadora associada no Research Center for Language and Semiotic Studies em Bloomington, Universidade de Indiana. Desde 1996, tem feito estágios de pós-doutorado em Kassel, Berlin e Dagstuhl, Alemanha, sob os auspícios do DAAD/Fapesp.

(notícia extraída do boletim da Intercom)

domingo, 11 de julho de 2010

Saiu na revista Pesquisa FAPESP , junho 2010

A matéria abaixo foi redigida pela jornalista Josélia Aguiar, a partir de uma entrevista à coordenadora do Projeto. Canções que são para sempre Tango, bolero e fado permanecem vivos por causa de sua ligação com as mídias eletrônicas Joselia Aguiar Edição Impressa 172 - Junho 2010 Antes havia o disco de 78 rotações e o rádio; depois o vinil; e hoje o CD e o MP3. Mudam as mídias, mas algumas canções, apesar de antigas, permanecem. Como Carinhoso, de Pixinguinha, I’ve got you under my skin, de Cole Porter, Por una cabeza, de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera. Gêneros que passaram décadas esquecidos voltam a fazer sucesso, como o tango. E algumas interpretações, embora ligadas a uma época específica, são sempre lembradas. Acaso existiria algum, ou talvez mais de um, traço particular em comum que lhes garanta a sobrevida? Com essa pergunta nada simples e um vasto território musical a percorrer, Heloísa de Araújo Duarte Valente iniciou há mais de uma década um projeto de pesquisa amplo, multidisciplinar, que resultou em tese de doutorado e pós-doutorado, originou artigos, livros e documentário e hoje envolve outros pesquisadores, com apoio da FAPESP (Bolsa Jovem Pesquisador) e do CNPq. “Há músicas que insistem em não morrer”, diz. Seu projeto A canção das mídias: memória e nomadismo, o nome atual, é desenvolvido no núcleo Musimid, que faz parte do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. E o que seria uma “canção das mídias”? A esse conceito Heloísa Valente recorre para definir um tipo de canção que difere dos demais que o precederam por impor condições distintas de escuta e performance. Parece óbvio, pois é a canção que conhecemos. Porém esse tipo de canção é recente, se se pensar que o rádio e o registro fonográfico têm cerca de um século apenas. “A canção é o gênero musical mais presente nas mídias, desde que estas existem; e a presença da canção é crescente. A canção das mídias pode ser aquilo que se denomina como ‘música popular urbana’, mas também inclui, por exemplo, árias de ópera e até canções de origem tradicional”, explica a pesquisadora. Para o estudo foram escolhidos três gêneros “nômades”, ou seja, que atravessam diferentes culturas – o tango, o fado e o bolero –, e uma abordagem que envolve desde musicologia e antropologia a história e semiótica. Em mais de uma década de documentação e análise do material coletado, o projeto A canção das mídias já obteve algumas respostas. A primeira é que há, sim, uma estrutura musical que favorece a permanência. “Canções que têm um grau maior de complexidade não raro permitem aos arranjadores, músicos e intérpretes efetuar mudanças, das mais sutis às mais drásticas”, explica a pesquisadora. Ou seja, quanto mais elaborada uma canção, mais poderá ser renovada. Essa complexidade, segundo ela, pode ser verificada em elementos como densidade harmônica, perfil melódico, formulação rítmica e outros elementos da forma musical. Porém, não são somente as obras de maior complexidade musical que sobrevivem. Outro fator importante é o próprio sucesso que a canção alcança em determinada época – tempos depois poderá voltar à baila, ou, literalmente, ao baile, de um jeito novo e muitas vezes em outros países. “As ‘modas’, criadas pelo hit parade, fazem com que títulos consagrados em determinado gênero se tornem conhecidos em outro”, diz Heloísa Valente. Um exemplo é o samba Vingança, de Lupicínio Rodrigues, que se tornou Venganza, em forma de tango, bem talhado ao gosto portenho. Caminhemos, de Herivelto Martins, também estourou nas paradas de sucesso em sua versão hispânica, Caminemos, com o Trio Los Panchos. “O sucesso é o motivo para que sejam criadas as novas versões”, reforça a pesquisadora. É comum, hoje, que as canções reapareçam no formato techno, que é o atual. Dos gêneros que estuda, encontrou não apenas o electrotango, mas também o fado electrónico, nos quais as gravações-matrizes são manipuladas eletroacusticamente. A sobrevivência das canções pode ocorrer também devido a um traço que a pesquisadora denomina de “autoridade da performance”. Para explicar melhor: há intérpretes – ou compositores e letristas, em menor frequência – que adquirem notoriedade com determinados hits, e essa combinação de intérprete e canção favorece sua presença na paisagem sonora. Emoções, de Roberto e Erasmo Carlos, é um desses exemplos. É nessa categoria que ela enquadra também intérpretes e canções como Frank Sinatra e I’ve got you under my skin, Yves Montand e Feuilles mortes, Nat King Cole e Stardust. Estabelecem-se, assim, como standards marcados pelas vozes que os interpretaram. As músicas se fixam na memória de uma comunidade, de maior ou menor extensão, também devido a suas relações simbólicas, como explica a musicóloga. Em Portugal, a canção tradicional Grândola, vila morena, composta e cantada por Zeca Afonso, serviu como senha para a instauração da Revolução dos Cravos, em 1975. No Brasil, O bêbado e o equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, consagrou-se na voz de Elis Regina como símbolo da reabertura política, no começo dos anos de 1980. Pouco depois, Coração de estudante, de Milton Nascimento, associou-se à campanha das Diretas-já, a Tancredo Neves e à volta da democracia brasileira. “Há nesses casos fatos memoráveis, de origem sociocultural, que acabam por determinar essas obras como ‘lugares de memória’, no sentido postulado pelo historiador Pierre Nora. Tornam-se, de um modo ou de outro, história. Na maioria dos casos, a vinculação se faz diretamente pela letra da canção, na mensagem veiculada por ela”, acrescenta. Por fim, rituais de calendário e festas também têm seu próprio repertório, capaz de atravessar gerações: Noite feliz, de Gruber, e Máscara negra, de Zé Ketti, são dois exemplos para Natal e Carnaval, respectivamente. Ainda há muito a estudar, diz Heloísa Valente, que concentrou mais as pesquisas no tango e no fado. Como resultado, publicou As vozes da canção na mídia (Via Lettera/Fapesp, 2003), organizou Música e mídia: novas abordagens sobre a canção (Via Lettera; Fapesp, 2007), Canção d’Além-mar: o fado e a cidade de Santos (Realejo/ CNPq, 2008); Canção d’Além-mar: o fado na cidade de Santos: sua gente, seus lugares (Realejo/ FAPESP, 2009) e produziu o documentário Canção d’Além-mar: o fado na cidade de Santos, pela voz de seus protagonistas (2008). Em fase final de preparação, está Donde estás, corazón? O tango no Brasil, o tango do Brasil. Dos três gêneros, o bolero é aquele em que levantamento e análise devem ainda avançar. O estudo dos três gêneros a partir de sua característica “nômade” – conceito baseado em Paul Zunthor (1915-1995), scholar de origem suíça que produziu obras importantes sobre o tema – é um dos grandes desafios da fase atual da pesquisa. Cada um dos gêneros “viaja” e assume novas feições, às vezes estilos diferentes e simultâneos. De origem ainda pouco esclarecida, apesar do esforço de seus vários estudiosos, o tango, por exemplo, contém elementos da habanera cubana e do flamenco, combinados à tradição dos payadores gaúchos. É um gênero característico de uma região específica da Argentina, a foz do rio da Prata, o eixo compreendido entre Montevidéu e Buenos Aires. Nos primeiros anos do século XX, ganha a Europa. O desembarque se dá por Paris. Para lá seguem os músicos argentinos, para gravar seus discos e fazer turnês de música e dança pelas metrópoles circunvizinhas. O tango virou mo da e passa a ser executado por músicos europeus. As bandas vestem-se com trajes gaúchos e dão títulos em espanhol às composições. Logo foi escrito com letras em idiomas locais, como francês, alemão e grego. Entre as décadas de 1930 e 1940, as big bands consagram um novo tipo de tango. O estilo de cantar e de dançar se modifica, com arranjos modernos ou híbridos. Os filmes de Hollywood que apresentam o tango contribuem para divulgar uma visão estereotipada, sinônimo de música apaixonada, sensual e extravagante. Ao mesmo tempo, sob influência alemã, o tango adotado na Europa passa a ter o ritmo de marcha, sem o chamado tempi rubati, e agrega metais. Seria, assim, um som muito próximo ao de banda militar. Tal influência se propagaria em todos os cabarés berlinenses: é o que se vê no clássico O Anjo Azul, de Josef von Stern berg. Da Europa, alcançará a América do Norte e Oriente. No Brasil, o tango chega na década de 1920, como explica Heloísa Valente: está em versão original ou local, com texto traduzido para o português, cantado tanto por brasileiros quanto por falantes do espanhol. Em alguns casos, compositores e letristas brasileiros fizeram os daqui de acordo com os estilemas (marca distintiva do estilo de um autor) do tango portenho. Existe, porém, uma variante do tango que surge no Brasil e que teve, por sua vez, outros desdobramentos, de acordo com a pesquisadora: sofreu influên cia da habanera, que, por sua vez, se mesclou à polca e ao lundu. Há quem diga que o tango brasileiro e o maxixe designam um mesmo gênero musical – a palavra “tango” seria usada, assim, para ate nuar o tom lascivo do maxixe. Um dos seus principais estudiosos, no entanto, o musicólogo Luiz Heitor Correia de Azevedo, autor do clássico 150 anos de música no Brasil (1800-1950), escreveu que o maxixe não constitui gênero musical, mas coreografia. Em sua origem brasileira, o primeiro tango seria Olhos matadores (1871), de Henrique Alves de Mesquita, como afirma o pesquisador e compositor Bruno Kiefer, autor de Música e dança popular: sua influência na música erudita. Ainda na mesma década, Chiquinha Gonzaga criará vários tangos brasileiros, de grande sucesso. “Esses dados provam que o tango brasileiro é anterior ao argentino – o que implica dizer que não há tango, mas tangos. De todo modo, o tango brasileiro é associado a um gênero instrumental e à figura de Ernesto Nazareth que, embora não tenha sido o responsável direto pela sua fixação, pelo menos foi ele quem consolidou o gênero, deixando inúmeras obras definitivas para piano”, explica Heloísa Valente. O fado é outro gênero que tem forte característica “nômade”. Se hoje é cartão-postal sonoro de Lisboa, tem sua origem no Brasil, como explica José Ramos Tinhorão, autor de obras sobre música popular brasileira que se tornaram clássicas. Em seu Fado: dança do Brasil, cantar de Lisboa, diz que o gênero nasceu aqui, do extenso contingente populacional de imigrantes portugueses, para territorializar-se depois em Portugal, com outra feição, mas teve de voltar ao Brasil para popularizar-se em âmbito mundial. Amália Rodrigues, a primeira dama do fado, gravou pela primeira vez no Rio de Janeiro, em 1945. Santos foi a cidade escolhida pa ra concentrar essa vertente do projeto A canção das mídias porque é a que abriga, proporcionalmente, o maior número de imigrantes portugueses no país e onde o fado tem até hoje grande presença. Tem-se, assim, um “fado castiço” que é recomposto incessantemente, pela inserção de novas letras, novas maneiras de performance – o “estilar” dos fadistas-cantores, as improvisações, as condições de apresentação ao vivo. Em seu estudo, a pesquisadora investigou como o fado deu origem a várias ramificações – fado de revista, fado operário, fado-canção –, criando novos públicos, novos arranjos, novos temas. O fado imigrante tem, porém, uma vida diferente, como explica a musicóloga: em grande parte da comunidade portuguesa que vive em Santos e em outras partes do Brasil, o fado continuou sendo ouvido e executado como elo com o país de origem. “Esta canção nômade criou uma ponte imaginária que liga os portugueses imigrantes ao seu país de origem”, afirma Heloísa Valente. O fado sobrevive, assim, devido a fatores de ordem emotiva, memorialística, intelectual. E tal per manência está vinculada também ao tipo de experiência que o seu público tem, no local onde se encontra. “A recepção do imigrante, pelo menos até o tempo anterior à internet, é diferenciada. Para essas comunidades, o fado, assim como outros gêneros, é vivenciado, relembrado, reconstituído, tendo como referência as versões mais tradicionais”, afirma a pesquisadora. O mais curioso é que os registros fonográficos converteram-se em uma espécie de “partitura a ser lida através da escuta atenta”. A importância das mídias – como rádio em ondas curtas, disco, cinema – na consolidação do gênero também pode ser vista na história do bolero no Brasil. Embora nascido em Cuba, se tornou conhecido como canção romântica mexicana. Assume principalmente a variante ranchera, próxima à tradição folclórica do México. Seu sucesso é grande a partir da década de 1920, e Augustín Lara (1897-1970) será o primeiro artista mexicano a se apresentar no Brasil. Jairo Severiano, autor de obras importantes sobre história da música popular brasileira, como os volumes A canção no tempo, diz que se inaugura, assim, um período de mexicanização na cultura brasileira. “Ainda temos de avançar no estudo sobre o bolero, é a nova etapa da nossa pesquisa”, diz Heloísa Valente. O projeto A canção das mídias - nº 2006/60786-4 Modalidade Bolsa Jovem Pesquisador Co or de na dora Heloísa de Araújo Valente - USP Investimento R$ 178.876,80 (FAPESP)